Josemar Santana (Senhor do Bonfim, Bahia, 23 de julho de 2016
A “Lei de Ficha Limpa”
(Lei Complementar 135/2010) elevou para 8 (oito) anos a inelegibilidade de
políticos condenados por órgãos colegiados (Tribunais) em casos de crimes
contra a administração pública.
Na eleição de 2012, alguns políticos condenados por abuso de
poder econômico ou político não puderam se candidatar, porque tiveram suas
candidaturas impugnadas por alguns tribunais regionais eleitorais, enquanto
outros decidiram de modo contrário, criando, assim, situação de divergência,
levando os casos a serem reconhecidos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) como
assunto de repercussão geral.
Nos casos em que é reconhecida a repercussão geral, cabe ao
Supremo Tribunal Federal (STF) decidir, eliminando a divergência de decisões
sobre situações semelhantes, como tem sido as decisões sobre o novo prazo de
inelegibilidade, alterado de 3 (três) anos (Lei de Inelegibilidades – Lei
Complementar 64/90) para 8 (oito) anos (Lei de Ficha Limpa – Lei Complementar
135/2010).
As decisões adotadas com base na Lei de Ficha Limpa (Lei
Complementar 135/2010) seguem as decisões adotadas pelo STF nos julgamentos das
AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC), nºs 29 e 30 e na AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) nº 4.578, que teriam admitido a retroação
da lei
nova (LC 135/2010) para incidir sobre condenações ocorridas com base em
lei anterior (LC 64/90).
Ora, ora, se o STF, que é o tribunal máximo do Poder
Judiciário brasileiro, responsável pela guarda dos princípios, preceitos e
dispositivos constitucionais, permite que dispositivo constitucional seja
interpretado de modo diverso do que está escrito, não há dúvida que isso gera
insegurança jurídica e se constitui em caso de repercussão geral, obrigando o
próprio STF adotar uma posição definitiva, isto é, definidora do assunto.
A Constituição estabeleceu no artigo 5º, inciso XXXVI, que “A
LEI NÃO PREJUDICARÁ O DIREITO ADQUIRIDO, O ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA
JULGADA”, o que alcança, sem dúvida, os casos julgados e transitados em
julgado, com base na Lei Complementar 64/90, que teve alterações em 2010
(junho) pela Lei Complementar 135.
Por sua vez, o artigo 5º, inciso XL, da mesma Constituição
estabelece que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”,
enquanto o Código Penal dispõe no seu artigo 2º, parágrafo único que “A
lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos
anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em
julgado”.
Resumindo: se for
para beneficiar, a lei nova pode retroagir, ainda que a sentença
condenatória tenha transitado em julgado, isto é, não admite mais nenhum
recurso, enquanto, se for para
prejudicar, não pode retroagir, principalmente quando se trata de coisa julgada (que não cabe mais
nenhum recurso).
Os que advogam a retroatividade da Lei Complementar 135/2010
argumentam que a irretroatividade de
lei nova somente é válida para os condenados em matéria penal (prevista
no Código Penal), não se aplicando a casos previstos na legislação eleitoral.
Contra essa argumentação, a resposta está no artigo 5º,
inciso XXXVI: “A LEI NÃO PREJUDICARÁ O DIREITO ADQUIRIDO, O ATO JURÍDICO PERFEITO E A
COISA JULGADA”, além do que, a Lei Complementar altera a punibilidade
para 8 (oito) anos de inelegibilidade PRÁTICAS
CRIMINOSAS contra a administração pública. E a reprimenda para quem comete
CRIME é a aplicação de pena, seja pela restrição
à liberdade (com prisão do condenado), seja por restrição de direitos. E a inelegibilidade é uma restrição do direito de ser eleito.
Há de se perguntar, então, por que o STF julgou as ADCs 29 e
30 e a ADI 4.578, admitindo a retroatividade da LC 135, que é de 2010 para casos
ocorridos sob a vigência da Lei Complementar 64/90, julgados e transitados em
julgado (que não cabe mais nenhum recurso)?
Veja leitor, a confusão criada pelo STF, que, aliás,
recentemente voltou a criar outra insegurança
jurídica, decidindo que o condenado em primeira instância (decisão
monocrática, isto é, decidida por um juiz) e que tem a sua condenação
confirmada em segunda instância (por um Tribunal, portanto, decisão colegiada)
tem que começar a cumprir a sua pena, quando ainda pode recorrer à terceira
instância (ou Tribunal Superior) e que pode ter nessa instância a sua pena
anulada.
Ocorrendo a hipótese citada acima, quem vai devolver ao
condenado a liberdade que lhe foi suprimida, porque ficou preso por decisão de
segunda instância, até obter a decisão de anulação em terceira instância? Claro
que a sua alternativa será buscar a compensação por meio de uma Ação
Indenizatória contra o Estado, porque teve desconsiderada em seu favor a presunção de inocência, que é
garantia constitucional estabelecida no artigo 5º, inciso LVII, com a seguinte
redação: “ninguém será considerado culpado até o TRÂNSITO EM JULGADO da sentença
penal condenatória” (destaquei em maiúsculas).
TRÂNSITO EM JULGADO significa que não há mais nenhuma
possibilidade de alguém recorrer de sentença que lhe é desfavorável.
Aliás, essa insegurança criada recentemente pelo STF já está
causando decisões contrárias por alguns tribunais, com destaque para o Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que anulou decisão de um juiz de primeira
instância que havia decretado a prisão de um advogado, que teve a sua sentença
condenatória confirmada pela segunda instância (TJ-SP), ordenando a prisão do
condenado.
A impunidade que se tornou uma praxe no país, principalmente
em favor de pessoas detentoras de poder econômico, certamente influenciou a
decisão do STF, admitindo que sentenças condenatórias confirmadas por segunda
instância ou oriundas dela deve ter cumprimento de prisão imediatamente,
posição que se sustenta no clamor popular de que poderosos sempre conseguem se
livrar de punições e que a punição só alcança pobre.
Sem dúvida, há de se reconhecer que a posição do STF em
admitir a prisão do condenado que tem sentença condenatória de primeiro grau
confirmada em segundo grau é inovadora, mas, apesar do justo clamor popular,
não pode se consolidar como um retrocesso jurídico, porque se mostra como
verdadeira afronta aos princípios constitucionais que deverão ser resguardados,
protegidos pelo STF, considerado constitucionalmente, o Guardião da
Constituição.
Se for para mudar a postura que está amparada
constitucionalmente, então que seja mudada a constituição, através de uma EC
(Emenda à Constituição) e não por meio de julgados que criam jurisprudências
(decisões dos tribunais em situações que não estão previstas no ordenamento
jurídico do país) sem mudar o texto constitucional, porque mudança do STF não é
fundamento para prender antes do trânsito em julgado, desrespeitando a
presunção de inocência consagrada na Constituição Federal.
Depois dessas observações e considerações, vem a pergunta do
título: POLÍTICO CONDENADO ANTES DA
LEI DE FICHA LIMPA, PODE OU NÃO SER CANDIDATO EM 2016?
E a resposta é positiva. PODE, SIM! E quem nos dá essa
segurança é o Ministro do STF, Roberto Barroso, que assim decidiu,
recentemente, concedendo LIMINAR a um político de Minas Gerais, em Ação
Cautelar de nº 3.778, que teve a sua candidatura a deputado federal impugnada
em 2014, por ter sido condenado a três anos de inelegibilidade por ABUSO DE
PODER (acusado de ter utilizado exames médicos em demasia em favor de eleitores
seus), quando estava no exercício do mandato de prefeito, em 2008, no Município
de Timóteo.
A decisão monocrática do Ministro Barroso, concedendo LIMINAR
favorável ao político mineiro, soma-se a outras cinco decisões monocráticas de
Ministros do STF (Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio e
Cármen Lúcia), em casos semelhantes, configurando-se posição majoritária com
esse entendimento, já que o STF é composto de 11 Ministros.
O Ministro Barroso, na sua decisão, anota que nos julgamentos
das ACDs 29 e 30 e da ADI 4.578, constatou “que de fato não houve uma análise pontual
do caso”, isto é, da admissibilidade da retroação da LC 135/2010 para
ampliar o prazo de inelegibilidade para 8 (oito) anos, dos casos julgados pela
LC 64/90, em que a punição por abuso de poder era de 3 (três) anos, tanto que o
assunto vai ser julgado como de
repercussão geral já reconhecida, no Recurso Extraordinário 929.670, em
andamento, tendo, inclusive, dois votos contra a retroação da Lei 135/2010,
proferidos pelos Ministros Ricardo Levandowski e Gilmar Mendes, estando a
votação suspensa por pedido de vistas do Ministro Luiz Fux.
Com o período eleitoral iniciado, já no prazo de realização
de convenções partidárias e proximidade dos registros de candidaturas,
políticos que eventualmente se encontrem em situação de condenação por ABUSO DE
PODER (seja econômico ou político), decorrente de sentença transitada em
julgado, com base na LC 64/90, cuja punição era de 3 (três) anos, podem ajuizar
AÇÃO CAUTELAR contra o prazo ampliado pela LC 135/2010, que terão garantidas as
suas candidaturas, com base nas decisões de 6(seis) dos 11 (onze) Ministros do
STF.
Não é sem razão que o Ministro Roberto Barroso, na sua
decisão escreveu: “Após refletir sobre essas novas constatações, verifiquei que os
Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio e Cármen
Lúcia possuem ao menos uma manifestação em sentido contrário à possibilidade de
aplicação retroativa do prazo de que trata o art. 22, XIV, da Lei complementar
64/90”.
Ao finalizar a sua decisão, o Ministro Barroso apontou três
fatores que lhe chamaram a atenção para decidir favorável à manutenção da
penalidade aplicada com base na Lei Complementar 64/90, porque o ABUSO DE PODER
foi cometido na vigência dessa lei, portanto, antes da entrada em vigor da Lei
Complementar 135/2010, quais sejam: “(i) não há uma certeza sobre o fato de a
questão debatida nestes autos ter sido pontualmente enfrentada; (ii) existe um
número expressivo de Ministros cuja posição conhecida é favorável à tese do
recorrente; (iii) o Tribunal já sinalizou revisitar a matéria em breve”
e conclui: “Mostra-se presente, portanto, a plausibilidade jurídica do pedido”.
*JOSEMAR SANTANA é
jornalista e advogado, especializado em Direito Eleitoral com Habilitação para
o Ensino Superior de Direito, integrante do Escritório SANTANA ADVOCACIA, com
unidades em Senhor do Bonfim (Ba), Salvador (Ba) e Brasília (DF).
Att.,